Rio de Choques e contrastes


O principal assunto na cidade do Rio continua sendo o "Choque de Ordem" promovido pela gestão Eduardo Paes. Não há um dia sequer sem grandiosas notícias de suas ações em diversos pontos de nosso município. As opiniões se dividem entre aprovação, desconfiança e total repúdio, e são o assunto do momento na mídia, nas ruas, nos lares e nos bares. Já apresentei anteriormente algumas questões que me afligiam. Bem, não creio que elas estejam perto de serem respondidas e outras já afloram.

Qual a situação dos abrigos? A verdadeira? Fonte fidedigna ligada à Secretaria Municipal de Assitência Social revelou-me que não há estrutura para atender à população. E não somente à de rua. O trabalho é realizado de maneira descontínua e poucos resultados poderá promover a curto, médio ou longo prazo.

O que me fez lembrar o caso de L. e Pretinha, amplamente explorado pela mídia e que comoveu muitas pessoas, dentro e fora do feudo municipal. Eu mesma fiquei penalizada, mas seja por força da profissão, seja por ser uma pessoa questionadora, ou mesmo pela união de ambos, acalmei minhas emoções e passei a refletir mais profundamente sobre o assunto e seus desdobramentos.

Para os que não acompanharam - se é que há esta pessoa - no dia 05 de janeiro durante uma operação do Choque de Ordem na Praça Saens Pena, o menino L., de 14 anos foi recolhido pelos agentes e levado para um abrigo. A resistência dele e de sua cadela Pretinha em aceitar a separação forçada foi manchete no dia seguinte. No dia 09 de janeiro, o jornal O Dia online publicou a matéria "Cadê Pretinha e seu dono?" onde relatava a mobilização de moradores da região para encontrar a cadela, confeccionando cartazes e pedindo a colaboração da população. A presidente da Comissão de Proteção aos Animais da OAB/ Cabo Frio-RJ, Bernadete Moog, divulgou nota de repúdio contra o tratamento dispensado a Pretinha e seu dono. A presidente da SUIPA, Izabel Nascimento, se comprometeu a cuidar no animal, afirmando que se ficasse comprovado que se tratava de Pretinha a entidade iria castrar, vacinar e instalar um chip gratuitamente. Na mesma matéria o Secretário da Ordem Pública, Rodrigo Bethlem, prometeu promover o encontro entre os dois,mas o paradeiro do menino já era desconhecido. Eis um primeiro desconforto. Nem uma semana se passara e o sistema já havia perdido o menino? Depois de todo o aparato para recolhe-lo? E os demais recolhidos na mesma operação? Quais seriam suas histórias? Onde estarão agora?

No dia seguite, L. e Pretinha foram encontrados juntos nas proximidades do Morro da Mangueira. O menino contou que fugiu no mesmo dia que foi recolhido, após tomar banho e jantar, e voltou andando até a Tijuca para resgatar sua amiga canina que o esperava escondida no mesmo lugar onde foram separados. Depois a dupla seguiu para a Mangueira temendo a volta dos agentes da prefeitura. Apesar dele afirmar que a família mora na Mangueira, um levantamento divulgado pela Secretaria Municipal de Assitência Social dizia que ele era oriundo de Costa Barros e que seu nome verdadeiro não é o mesmo que ele costuma dar quando é recolhido. O Secretário de Assistência Social, Fernando Willian, reafirmou o conhecido discurso de que as pessoas deixam os abrigos porque não aceitam as regras, horários e normas de higiene e "preferem a liberdade das ruas". Se os acolhidos não são obrigados a permanecer nos abrigos, então porque levá-los a força para lá? Não seria um certo desperdício de dinheiro e esforço?

Poucos dias depois, em 13 de janeiro, o Secretário Municipal de Esportes e Lazer, Chiquinho da Mangueira, anunciou uma série de benefícios oferecidos ao menino através da Vila Olímpica da Mangueira. A notícia afirma que a família dele mora na Favela da Mangueira, onde ele é conhecido por todos. Então quem é o menino de Costa Barros? Como são feitos esses levantamentos da Secretaria Municipal de Assistência Social?Fica a impresão de que estas ações são meras falácias para pautar a mídia. Grandiosas e impactantes em um breve momento, mas equivocadas, infrutíferas e descontínuas.

A história de L. e Pretinha teve, aparentemente, um desfecho satisfatório. A revolta popular suscitada pelo desamparo de Pretinha foi acalmada. Sua maior importância, entretanto, parece sequer ter sido percebida. Ela foi capaz de, em poucos dias, revelar as falhas do sistema. A foto acima foi tirada nas ruas da Pavuna. Não possui elementos que despertem a afetividade da população. Um homem qualquer, idoso, de aparência calejada e suja agarrado a seu refrigerante. Quem irá se comover ou se solidarizar com sua situação? Quem falará por seus direitos ou contará a sua história?

Para que haja realmente Ordem nesta cidade é preciso haver planejamento, seriedade, compromisso com seus cidadãos, trabalho contínuo e sistemático, daquele tipo que costuma produzir grandes resultados mas que não chega a garantir manchetes diárias. Até o presente momento a palavra Choque, sugerindo uma certa brutalidade de impacto, parece bem apropriada para as ações truculentas da prefeitura, mas quando chegará a Ordem finalmente?

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