O prejuízo é sempre nosso... - parte II

Vou contar como foi a audiência sobre a nota falsa que recebi.  Mas quero depois compartilhar com vocês algumas reflexões sobre alguns aspectos cruéis das nossas relações com o sistema bancário. Ontem, no horário marcado fomos chamados, estávamos todos presentes, fomos acomodados e o juiz inicialmente perguntou se havia proposta.  Como ele perguntou somente aos representantes do Bradesco, acredito que era  uma última oportunidade de conciliação. A advogada deles disse que não. Novamente destaco que acredito que  defender opiniões e visões diferentes é um direito a ser respeitado. Isso, em si, de forma alguma me ofende.
Já que não havia proposta, fui chamada para prestar meu depoimento. Inicialmente quem elaborou perguntas foi o próprio juiz, que me pediu que relatasse o ocorrido, buscando esmiuçar os fatos. Tudo muito tranquilo e pertinente. Depois do meu relato ele me fez uma série de perguntas, e a seguir começou a ditar para a escrivã fazer o registro do meu depoimento. Nesse momento fiquei fascinada, devo confessar. Ele, ainda que de forma resumida,  repetia com exatidão o que eu havia dito, sem acrescentar ou retirar uma vírgula sequer. Uma das coisas que muito me incomoda nas relações pessoais e profissionais atualmente é que as pessoas não ouvem mais umas as outras. Elas escutam as palavras, vozes e sons, mas  não ouvem realmente o que o outro está dizendo. Em toda essa história foi uma das poucas vezes em que me senti ouvida realmente.
Aliás preciso comentar a postura deste magistrado: um senhor articulado, educado e respeitoso, que ouvia atentamente e perguntava tudo  . Em nenhum momento ele demonstrou simpatia ou repulsa pela questão apresentada. Suas perguntas visavam esclarecer qualquer dúvida quanto ao relatado no processo. Mesmo no momento mais embaraçoso, que foi quando ele me perguntou se eu tinha outros valores na bolsa ou em casa, eu me senti à vontade para admitir que naquele momento o dinheiro sacado era tudo o que eu tinha. Eu entendi perfeitamente que ele somente queria determinar se essa nota realmente era originária do caixa eletrônico, ou se poderia ter acontecido alguma confusão, troca ou substituição em algum momento. Não dá para supor qual será sua decisão.  Sua atitude cordial não era dirigida a ninguém em especial, pareceu-me somente parte do seu jeito de ser. Quando saí não pude deixar de pensar no benefício que seria para o sistema judiciário se essa postura fosse disseminada entre funcionários de todos os níveis hierárquicos.
Após o juiz, foi então a vez da advogada do banco elaborar suas perguntas. A princípio eu não entendi bem o sentido de suas perguntas. Queria saber a que horas meu filho tinha ido ao mercadinho, se poderia ter parado no caminho ou ido a outros lugares antes. Suas perguntas se focaram nesse momento, o uso da nota falsa, deixando de lado qualquer menção ao modo como fui tratada pelo banco. Depois de encerrado meu depoimento tentei interpretar essas perguntas, seriam por acaso uma insinuação de que eu ou meu filho tivéssemos trocado uma nota verdadeira por uma falsa e depois tentado responsabilizar o banco? Seria essa a justificativa para o descaso e desrespeito do banco? Havia implícito a suposição de que eu fosse uma falsária ou pelo menos alguém de idoneidade duvidosa? Em mais de dez anos como cliente eu nunca havia feito sequer uma reclamação administrativa contra o Bradesco. Agora estaria tentando aplicar um golpe? De cinquenta reais?
A testemunha foi chamada, era a gerente do mercado que identificou e recusou a nota. Ela teve que ser intimada a depor pois quando foi convidada disse que seu superior não queria que ela se envolvesse para não criar problemas com o banco. Ela não estava satisfeita de estar lá,  e quando foi perguntada se era minha amiga ou inimiga respondeu rispidamente que nem um nem outro, mas que me conhecia de vista do bairro. O olhar que me lançou era raivoso mas depois de orientada pelo juiz sobre o compromisso com a verdade, respondeu a todas as perguntas de maneira objetiva. Mesmo irritada, seu depoimento confirmou o meu.
O juiz ainda lhe perguntou sobre os procedimentos técnicos que adotavam para identificação e recusa de notas falsas, e se isso era comum acontecer. Depois de encerrado seu depoimento, o juiz comentou com ela, de maneira bem elegante, que havia percebido sua irritação ao entrar e que entendia que ela podia não gostar de ter sido intimada ou de ter que se afastar de seu trabalho, mas ressaltou que é nosso dever cívico atender sempre que a Justiça requisitar.
Estávamos encerrando, assinando os depoimentos, meu advogado confirmava a reclamação, a advogada do Bradesco mantinha a posição de que a mesma era improcedente, quando o juiz lembrou de fazer-me uma última pergunta: com quem estava a nota falsa naquele momento? Nesse momento meu queixo caiu, e estou pasma até agora, pois a advogada do banco imediatamente complementou que era uma coisa que ela também queria saber. Ora, como eu teria dado entrada em um processo administrativo sem entregar a nota ao banco, para análise como me informaram na época. Então eles sequer sabiam onde estavam a nota e os documentos que entreguei? E queriam sugerir que o erro simplesmente não era deles? Todas as pessoas podem ser suspeitas e tratadas como golpistas, eu, meu filho, o caixa do mercadinho, mesmo algum amigo de meu filho caso ele tivesse saído da rota que mandei fazer, mas o banco não pode jamais admitir que cometeu um erro? Erro evidenciado no fato de nem saberem por onde anda a tal nota.
Não sei qual será a sentença do juiz. Não me preocuparei com isso agora. Já assisti muitos juízes confraternizando com uma parte na frente da outra, o que com o tempo vai abalando nossa fé no sistema. Confesso que depois de ontem há um lampejo de esperança de ser tratada com justiça, nada mais do que isso. Com certeza contarei o resultado aqui, afinal tenho recebido manifestações de incentivo e trocar essas experiências pode ajudar a outros e nos fortalecer como cidadãos. Mas ainda há muita coisa a dizer sobre isso, coisas que não cabem em um processo judicial mas não podem ser esquecidas. Depois quero refletir sobre o incentivo ao uso dessas máquinas que seriam o mesmo que ir ao caixa da agência e a pouca responsabilidade que elas parecem gerar. Até logo,

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