Garantia de Direitos para todos os Humanos todos os dias .... Mas quando?


Dona Maria Bernadete e o pastor Alexandre Vicente durante audiência pública realizada na Alerj sobre o Sistema Degase, no dia 02 de dezembro.



Hoje é o Dia Internacional dos Direitos Humanos, mas nem todos têm o que comemorar. Para Maria Bernadete Roque de Souza, 47 anos, doméstica, o dia de hoje marca o primeiro mês da morte trágica de seu filho e do início de sua luta por justiça. Ela quer saber o que de fato aconteceu com seu filho, Cristiano de Souza, de 17 anos, um jovem que cumpria medida sócio-educativa no Educandário Santo Expedito, desejava passar o Natal com a família e planejava conseguir trabalhar como entregador em uma farmácia.
No dia 10 de novembro aconteceu uma rebelião no Educandário Santo Expedito, fato que a sociedade só teve conhecimento devido à nota enviada à imprensa pelo Sindicato dos Servidores do Departamento Geral de Ações Sócio-Educativas, Sind-Degase. Na tarde deste dia ela foi procurada em sua casa no bairro de Engenho da Rosa, em São Gonçalo, para ser informada que seu filho encontrava-se hospitalizado após uma queda. Perguntaram-lhe se Cristiano sofria de crises epiléticas.
Apoiada pelo pastor de sua igreja, dona Maria Bernadete foi para o hospital Albert Schweitzer, em Realengo, onde encontrou Cristiano em um leito da emergência, já em coma fatal, que resultou em óbito poucos dias depois. A causa da morte: traumatismo craniano por ação contundente. E como isso aconteceu dentro das dependências do Departamento Geral de Ações Sócio-Educativas a um jovem sob a guarda e custódia do Estado? É o que dona Maria Bernadete e a sociedade fluminense gostariam de saber.
As informações sobre o acontecido são muito confusas e trazem versões bastante contraditórias, enquanto a imprensa permanece estranhamente silenciosa frente à gravidade do episódio. No dia 02 de dezembro, às 10 horas da manhã, a Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro conduziu uma audiência pública sobre o “Sistema Degase”, para entre outras coisas, tentar elucidar o que aconteceu a Cristiano.
Na audiência, mediada pelo presidente da Comissão, deputado Alessandro Molon, o diretor geral do Degase, Sr. Eduardo Pires Gameleiro, apresentou vídeos, slides e relatórios sobre a situação do Degase, exaltando obras e melhorias proporcionadas por sua gestão. Entre elas, a “pioneira” iniciativa de utilizar armamentos não-letais, como gás de pimenta, em unidades do Degase, autorizado pelo governador Sérgio Cabral através do Decreto 41.553, no dia 19 de novembro deste ano, poucos dias após a rebelião no Santo Expedito.
Em nenhum momento, o diretor Gameleiro dirigiu a palavra a dona Maria Bernadete, seja para uma explicação ou ao menos um gesto de solidariedade, preferindo antes usar o espaço público para desferir farpas contra o presidente do Sind-Degase, Sr. Marcos Aurélio Rodrigues, talvez em uma frustrada tentativa de minimizar as denúncias de problemas no Sistema Degase como se estas fossem frutos de um embate “doméstico” entre gestores e servidores, demonstrando um profundo desrespeito para com aquela Casa e todos os presentes.
Sobre o Educandário Santo Expedito, após a exibição de um vídeo, disse brevemente que o mesmo não pode ser fechado, como já solicitado por outras autoridades ao Degase, porque o sistema não teria como realocar os adolescentes, e que devido à época do ano esse tipó de problema acontece, mas que os fatos seriam apurados.
Em meio aos relatos dos presentes, as controvérsias aumentam. A mãe de Cristiano foi procurada pelo coordenador de uma ONG para ser informada do que acontecera a seu filho, a pedido da chefe de gabinete da Direção Geral, srª Kátia Barghigiani Affonso Ferreira, aparentemente porque este conheceria melhor a região e estaria mais próximo da residência dela. Mas porque não enviar um servidor do Centro de Recursos Integrados de Assistência ao Menor, CRIAM, de São Gonçalo para procurar a família?
Dona Maria Bernadete também teve oportunidade de falar nesta audiência. Uma mulher humilde que trabalhou duro para poder criar seus dois filhos, e que desconhece muitos dos termos e conceitos mencionados pelas autoridades e representantes da sociedade civil ali presentes. Ela lembra a revolta do filho com a morte do pai, acreditando ser esse o motivo que o levou a transgredir a lei, e a esperança de que no Degase ele fosse receber o atendimento psicossocial que precisava para poder “encontrar um rumo”. Emocionada, pediu que alguém faça alguma coisa pelos que estão vivos, para que outras mães não venham a sofrer como ela está sofrendo.
Ela contou à Comissão que foi perguntado a ela se o filho sofria de crises epiléticas, porque teria tido uma e em decorrência dela teria caído e batido com a cabeça no chão. A princípio, não foi mencionada a rebelião ou a possibilidade de agressão física. Ele teria sido vítima de uma fatalidade, algo cuja responsabilidade não poderia ser imputada ao Estado. Segundo a Coordenadora de Saúde do Degase, Drª Eugênia Maria Martinho Midlej, essa foi uma atitude humanitária, para não assustar a mãe falando de óbito. Uma forma mais humana de “atrair a família”, para poder informar o fato, segundo palavras da própria coordenadora.
O pastor Alexandre Vicente, 35 anos, da Igreja Primeira Essência de Itaipu, foi uma pessoa fundamental para que Cristiano não fosse mais um número, um dado perdido no sistema. Além de oferecer apoio e conforto espiritual para dona Maria Bernadete, ele a acompanhou em todos os momentos, conversando com médicos, obtendo informações importantes, e quando se fez necessário, buscando a Comissão de Direitos Humanos da Alerj, através dos deputados Alessandro Molon e Marcelo Freixo, para evitar que Cristiano fosse enterrado às pressas no mesmo dia do óbito.
O coordenador do Projeto Legal, dr. Carlos Nicodemos entregou a Comissão de Direitos Humanos um denso dossiê com depoimentos que relevam a verdadeira tragédia que aconteceu no Santo Expedito em 10 de novembro. Através dos relatos dos internos sabe-se hoje que Cristiano foi obrigado a passar por um “corredor polonês”, e que por falta de “experiência” neste tipo de punição, não havia protegido a cabeça com os braços como os demais. Outros internos também deram entrada no Albert Schweitzer no mesmo dia, mas para tratar de lesões pelo corpo.
Muitas perguntas ainda pairam sem respostas: porque Cristiano ficou todo o tempo na emergência, onde contraiu infecção hospitalar, ao invés de ser tratado na CTI? Porque ele se feriu às 11 horas no Santo Expedito, em Bangu e somente deu entrada no Albert Schweitzer, em Realengo, às 13 horas? Porque as tentativas de, na melhor das hipóteses, confundir? Quem são os responsáveis?
Para o deputado Marcelo Freixo, “perder a vida dessa forma e por agentes públicos não é aceitável”. Ele acredita que o que ocorreu no Santo Expedito foi um evidente caso de tortura. E acrescenta: “a ética profissional deve ser antecedida de uma ética moral”
A Comissão de Direitos Humanos quer respostas e a sociedade também. Mas para dona Maria Bernadete pouca coisa vai mudar. Confiando na ajuda do Estado para recuperar seu filho, ela o perdeu definitivamente. O que ela e tantas outras mães neste Estado tem a comemorar no dia de hoje?

Comentários

Unknown disse…
"O tempo só não enxuga as lágrimas de quem ainda chora". Pr. Alexandre
Bernadete, Mãe do menor Cristiano, morto no educandário Santo Expedito e assassinado, segundo relato de outros menores ouvidos, continua sem nenhuma resposta. O "Educandário" ainda aberto, os assassinos soltos e nada? Em quem acreditar? Vale a pena lutar? Que País é esse? No que, nós temos nos transformado? O silencio precisa ser quebrado...
O estado, nada faz, para que outros jovens não tenham o mesmo destino. Por vezes, alguns, simplesmente "limpam" as ruas da nossa cidade. Pelo visto, continuaremos a ver lágrimas de dor como de Bernadete...
Anônimo disse…
Um futuro diferente para outras crianças

Eu acompanhei de perto, a luta por Cristiano e por outros jovens com destino semelhante ao dele. Não tem sido fácil como igreja atuar nas áreas chamadas de risco. Não por culpa das comunidades ou dos que moram nelas. Grande parte da sociedade tem apoiado e alguns até sustentam a chacina de jovens. Durante o no de 2008, só eu fiz cinco cerimônias fúnebres. O mais jovem, tinha apenas 12 anos e o mais “velho” 17 anos. Precisamos nos mobilizar por programas sérios de prevenção. Os jovens precisam de escolas e que essas tenham professores e aulas. Com muito pouca estrutura e sem nenhuma ajuda do estado, temos conseguido recuperar muitos adolescentes, que hoje trabalham e dão orgulho as suas famílias. Como o estado não consegue? Precisamos de creches! No passado não muito distante, a responsabilidade de suprir financeiramente a família, ficava a cardo dos homens. Hoje isso não acontece. Muitas mães trabalham e lutam para alimentar os seus filhos e esses, sem a presença dos pais por perto, se tornaram presas fáceis. Muitas mulheres são responsáveis sozinhas por seus filhos. Essas mães gritam por socorro. Elas são guerreiras e precisam ser ouvidas. O custo de um menor infrator é bem maior do que um menor na escola. Programas como de Darci Ribeiro, não podem ser interrompidos. Eu não tenho a receita. Mas algo precisa ser feito. Não é a morte a solução. Não podemos nos enganar...

Pr. Alexandre Vicente - Igreja Evangélica Comunidade Cristã Primeira Essência
Cidadão, Teólogo, Gestor de Recursos Humanos e Pós Graduando em Terapia de Família.
Muito bem colocado Pr. Alexandre. É com educação, fortalecimento das famílias e trabalho contínuo que poderemos se não erradicar, ao menos diminuir as graves diferenças sociais, criar oportunidades e, assim desejamos, construir uma sociedade cidadã, mais justa e fortalecida.
Parabéns pelo seu trabalho!
Anônimo disse…
Temos que deixar de hipocrisia e falar a verdade. Em primeiro lugar, é a populãção votar certo. Não vender o voto por R$ 30,00 (trinta reais). Em segundo: deixar de querer receber auxílio gás, auxílio isso, bolsa isso, bolsa aquilo (tudo pura enganação). Como seres humanos não queremos esmolas,devemos exigir dos políticos e governantes a redução da pesada carga tributária para gerar mais emprego e com isso melhorar os salários eo poder aquisitivo da população. Chega de demagogia. O fim é esse, pois temos que trabalhar cada vez mais para dar o sustento necessário aos nossos filhos e deixá-los entregues a sorte, pois em vez de terem uma educação adequada, estão se perdndo pela vida. Que Deus nos proteja!

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